quinta-feira, 18 de junho de 2015

As coisas que eles ainda não sabem

Meus amores pequeninos,
Vocês não sabem que são fruto de um amor com mais de uma década, que começou com dois miúdos (um de dezassete e uma de dezasseis anos) que não sabiam nada da vida mas sabiam que queriam ficar juntos – sim, esses miúdos (a que chamam pais) com quem vivem agora.
Vocês não sabem como os astros tiveram de se alinhar e o pai e a mãe tiveram de crescer para estarem prontos para receber-vos... primeiro um - a menina tão ansiosamente esperada, o primeiro filho fruto deste grande amor - e, passado quatro anos o outro - um anjinho frágil e tão pequenino, que nos fez acreditar que quando todas as portas se fecham e à nossa volta é só escuridão há sempre uma saída para a luz... e desde esses dias não paramos de crescer e aprender, diariamente, convosco.

Vocês não sabem como foi desejada e planeada a vossa chegada, como a nossa vida recomeçou depois de cada um de vós ter entrada nas nossas vidas – dois dias tão diferentes - um em pleno inverno de dezembro e outro num começo de primavera de praia e gelado -, uma experiência primeira que se prolongou até à noite e que horas me relaxava ao sabor das páginas de um livro e outras horas me fez querer desistir de sofrer; uma outra segunda que chegou tão de mansinho, de forma tão singular e relaxada e que da forma mais natural em menos de três minutos me fez sentir de nova uma alegria maior partilhada com quem mais merecia. 

Vocês não sabem, mas deixem que vos segrede, eram dois bebés tão pequeninos, tão igualmente amados desde o primeiro dia e tão diferentes desde o primeiro momento. A barriga da mãe, durante 39 semanas, de ambas as vezes, foi crescendo, ora envergonhada ora descarada e vaidosa. Da primeira vez cresceu de forma arredondada sem espaço para crescer mais e tu M. nasceste redondinha, espevitada e disposta a enfrentar o mundo; da segunda, fez-se mimosa e empinada, pequena em comparação, mas sempre muito mexida. Tivemos medo muitas vezes por ti J., porque ganhavas pouco peso de cada vez, porque eras tão pequenino e porque tinhas imensa vontade de conhecer o mundo para além da minha barriga – felizmente hoje estão longe essas preocupações, cresceste cá fora, ao teu ritmo e que bom é respirar de alívio.
Vocês não sabem como era mágico ver-vos dançar dentro da minha barriga, mesmo nem sempre tendo espaço para grandes rodopios, e nem imaginam como já vos amava e acariciava nessa altura.
Não sabes M. como és parecida com o pai e que já nas ecografias eu adivinhava que eras a cara dele – se tiveres também o seu bom coração e optimismo então tens meio caminho andado para seres feliz.
E tu J. não sabes como vejo em ti uma mistura do melhor de nós, desacreditando muitas vezes como é possível o filho tão desejado do teu avó ter nascido neto e teres tantas coisas que me lembra esse homem que tanto admiro.
Vocês não sabem que o pai e a mãe são os melhores amigos um do outro e que isso faz toda a diferença porque nos conhecemos como ninguém – e que rezo todos os dias para que cada um de vós tenha a sorte de encontrar alguém assim, que vos complete.
Vocês não sabem que todos os dias, os pequenos obstáculos que ultrapassam, na escola ou em casa, são desafios que vos ajudam a crescer – as vossas conquistas são a minha alegria e inspiração e é tão bom ver que não desistem, reconhecer a vossa persistência e empenho.
Vocês não sabem o número de noites que fiquei acordada porque choravam a minha ausência ou se queixavam com dores de barriga. Hoje as dores de barriga continuam, na minha ausência ouço pés de guizo que caminham até à minha cama e acresce a tudo isto o receio da porta não fechada e do "mau" a entrar pelo buraco da fechadura.
Vocês não sabem, mas J. o facto de acordares sempre a sorrir é um prenúncio de muitos acordares felizes que te esperam – espero que nunca mudes - e M. esse teu ar sonolento de todas as manhãs é resultado da tua vontade crescente de ler mais um capítulo do teu livro (agora que aprendeste a juntar letras e formar palavras não queres outra. E eu adoro ouvir-te ler!)
Vocês não sabem que quando grito "ataque de cócegas!" o que quero realmente dizer é "a mãe preciso de mimo!" pois sei que mais cócega menos cócega, no final, receberei dois abraços gigantes e acabaremos os três deitados na minha cama às gargalhadas. 
Vocês não sabem que vão apaixonar-se muitas vezes e que nessa altura o amor do pai e da mãe irá parecer menor, que vão achar ter a certeza de tudo, achar-se muito crescidos e que nós não sabemos nada – todos nós o fizemos e, se calhar, vão ter de nos lembrar disso mesmo.
Vocês não sabem o quanto vão errar – e só assim aprender.
Vocês não sabem que vão sofrer por amor – e como depois tudo isso passa.
Vocês não sabem como vos vai custar perder amigos que achavam eternos – mas os que ficam vão fazer tudo valer a pena.
Vocês não sabem como vai ser bom quando uma música ou um cheiro vos fizer viajar no tempo – viagens boas, viagens más, viagens…
Vocês não sabem como é possível falar sem palavras – apesar de o fazerem todos os dias.
Vocês não sabem o valor do perdão – e de como a vida é muito mais fácil quando deixamos o que não importa lá atrás.
Vocês não sabem que vão amar muitas pessoas de formas muito diferentes – e que vai haver sempre espaço para todas.
Vocês não sabem que vão sentir saudades e algumas vezes chorar por sentir falta de alguém – e que isso significa que esse alguém é ou foi muito importante para vós.
Vocês não sabem como estarmos perto pode tranquilizar o dia mais agitado – o mais parecido é o que sentem quando choram e nos vêem chegar ao pé de vós.
Ainda não sabem como o simples facto de existirem torna o dia de tantos de nós mais feliz – pais, avós, tios, padrinhos, é só escolherem.
Vocês não sabem como esperei toda a minha vida por vos ter ao meu lado.
Mas vão saber. A mãe encarrega-se disso.
(adaptação do texto de Marta Coelho, "As coisas que a minha filha ainda não sabe")

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